A manifestação popular contra o pacote de ajuste neoliberal do presidente Javier Milei tomou conta das ruas de Buenos Aires e das principais cidades da Argentina nesta quarta-feira (24), dia em que uma greve geral paralisou o país. Os organizadores estimam que cerca de 600 mil pessoas foram às ruas na capital e 1,5 milhão em todo o país.
Hector Daer, secretário-geral da CGT (Confederação Geral do Trabalho), que convocou a paralisação desta quarta, destacou em discurso que a manifestação reuniu pessoas de diversos espectros políticos, inclusive membros e apoiadores do partido União Cívica Radical (UCR), conservadores que representam uma das linhagens mais tradicionais da política argentina.
“Todos, unidos e organizados, vamos fazer essa luta para termos êxito na derrubada do DNU e na rejeição da Lei Ônibus”, afirmou, em referência ao decreto e ao projeto de lei apresentados por Milei logo no início de seu mandato. “Não vamos dar nenhum passo atrás. Viva o movimento trabalhista argentino!”, disse.
Embora as imagens da transmissão do evento mostrem predominância de partidários do peronismo, grupo político rival do radicalismo, ligado ao sindicalismo e derrotado por Milei na eleição, o dirigente radical Ricardo Alfonsín estava presente e explicou o motivo pelo qual seus correligionários também devem aderir ao movimento.
“Nós não vivemos com dignidade, ainda falta muito. Mas o problema é que o Milei quer exatamente o contrário. Quer um país neoliberal, em que as grandes corporações ditem as políticas econômicas. Como não estaríamos aqui hoje, como os radicais não estariam?”, questionou. Alfonsín afirmou que o DNU é inconstitucional, por isso deve ser rejeitado, e que Milei deve seguir os trâmites previstos na legislação se quiser mudar leis. “Não é sério apresentar um projeto de mais de 300 leis para ser tratado em 15 dias”, disse, a respeito do "pacotaço" de projetos de lei conhecido como Lei Ônibus.
Em nota oficial, a CGT declarou que a manifestação foi realizada em defesa dos direitos, da divisão de poderes, da democracia e da Constituição Nacional. “Nenhum trabalhador pode ignorar a crise social e econômica que estamos vivendo. A inflação corrói os salários e dispara os preços a níveis inacessíveis, mas nenhuma crise pode servir de oportunidade para se arrasar com os direitos fundamentais de todos os argentinos”.
Pelas redes sociais, a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, acusou os grevistas de estarem interessados em defender privilégios: “Sindicalistas mafiosos, gerentes da pobreza, juízes cúmplices e políticos corruptos, todos defendendo seus privilégios, resistindo à mudança pela qual a sociedade decidiu democraticamente e que o presidente Milei lidera com determinação. Não há greve que nos detenha, não há ameaça que nos amedronte”.
A nota da CGT respondeu essa acusação. "Que ninguém se engane. Não defendemos privilégios, nem benefícios especiais. Defendemos o direito de trabalhar dignamente, a uma aposentadoria digna, o direito à proteção social, o direito à saúde, ao desenvolvimento econômico, à exploração de nossos recursos naturais, o direito de nos manifestarmos e protestarmos, ao desenvolvimento cultural e científico."
Germátwitn Martinez, presidente da coalizão peronista União pela Pátria, criticou Milei por “viver de costas para o Congresso” e ameaçar os governadores de suspender transferências para seus estados caso não apoiem seu pacote de ajuste.
O principal líder dos caminhoneiros, Pablo Moyano, dedicou parte de seu discurso a criticar a proposta de privatizar estatais, dirigindo-se aos deputados. "Irmãos, vocês não podem votar a privatização. Vão deixar milhões de trabalhadores na rua e vão vendê-las [as estatais] aos amigos do gerente que hoje nos governa, o das corporações nacionais e internacionais, o presidente Milei", disse.
Dentro desse tema, criticou os legisladores peronistas da coalizão União pela Pátria pela forma como se portam nas discussões sobre privatização, nas quais estariam usando a estatal petrolífera YPF como “moeda de troca”, de modo que ela não seja vendida, mas outras estatais, sim. “Para onde estamos indo? Não podemos trair o peronismo. As empresas estatais não podem ser privatizadas!", disse mencionando empresas como Aerolíneas Argentinas, Trenes Argentinos, Radio Nacional, as rodovias e o Banco Nación, entre outras.
A senadora pela província de Buenos Aires Teresa García, da coalizão peronista Frente de Todos, se manifestou na mesma linha em entrevista a uma emissora de rádio. "Qualquer deputado ou senador peronista que vote a favor desta lei estará traindo, primeiro, o sentido de sua existência no peronismo e, segundo, a pátria".
Outro tema abordado por Moyano foi a proposta do governo de passar a cobrar imposto dos trabalhadores que recebem um salário mensal a partir de 1,35 milhão de pesos brutos (cerca de R$ 8,1 mil), um faixa que até então estava isenta. "Aos governadores, deputados e senadores, dizemos que não se atrevam a impor novamente o imposto aos trabalhadores. Se são tão corajosos, imponham o imposto sobre as grandes fortunas, aumentem as retenções, coloquem retenções nas mineradoras!", afirmou.
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