Quem ganhou um salário mínimo (R$ 1.212) em maio teve que comprometer até 13,2% de sua renda mensal para comprar um botijão de gás de 13 kg, cujo preço máximo está em R$ 160 desde março. Esse percentual é o maior patamar atingido em 16 anos, desde 2006, quando o valor mais alto do botijão correspondia a 15% do salário mínimo da época (R$ 300).
Para fazer esse levantamento, o UOL usou como base os dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), que faz pesquisas semanais de preços dos combustíveis desde 2001, e do histórico de valores do salário mínimo mantido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Em maio, o botijão de gás mais caro do Brasil foi encontrado pela ANP em Caçador (SC), a R$ 160. O preço equivale a 13,2% do salário mínimo atual, que está em R$ 1.212.
É o maior percentual alcançado desde os meses de janeiro, fevereiro e março de 2006, quando o botijão mais caro custava R$ 45 nas cidades de Alta Floresta (MT) e Tarauaca (AC), ainda de acordo com a ANP. Ganhando um salário mínimo da época (R$ 300), o consumidor gastava até 15% de sua renda mensal para comprar um botijão de gás.
Promessa não cumprida
Em 2019, o ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu cortar o preço do gás de cozinha pela metade — uma redução que viria a partir da abertura desse mercado no Brasil. Desde então, porém, o preço do botijão já acumula alta de mais de 60%.
Para especialistas ouvidos há duas semanas pelo UOL, a promessa foi um erro e não levou em consideração o papel social do gás de cozinha, que merecia uma política de preços diferente daquela adotada para outros derivados de petróleo. Procurado, o Ministério da Economia não quis comentar sobre o assunto.
"O 'choque de energia barata' prometido por Guedes em 2019 não tem uma resposta rápida. O principal erro do governo foi não se dar conta de que mudanças estruturais têm um efeito no tempo da infraestrutura, que é um tempo longo. Em um país desburocratizado, esse tempo é de quatro, cinco anos. No Brasil é bem mais", explicou Sérgio Bandeira de Mello, presidente do Sindigás (Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de GLP)
Rodrigo Leão, do Ineep (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), também citou como fator que contribuiu para esse aumento a decisão de revogar uma resolução de 2005 que reconhecia a necessidade de se adotar preços diferenciados para o gás de cozinha. A justificativa dada à época era de isso corrigiria distorções no mercado, diminuindo os preços — o que não aconteceu.
"O governo piorou a situação. Do meu ponto de vista, tiveram uma visão equivocada do mercado de GLP. Aí tornaram a situação ainda mais dramática [para o consumidor]", avaliou.
Salário mínimo sem aumento real
Somado à alta dos preços do gás de cozinha, há ainda o fato de que a política de reajuste de salário mínimo atual é diferente da adotada em governos anteriores.
A partir de 2008, ainda no governo Lula, foi instituído que o salário mínimo seria corrigido com base na inflação do ano anterior, medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), e na variação do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes. Essa fórmula, que virou lei com Dilma Rousseff (PT), tinha o objetivo de garantir que o mínimo tivesse aumento real — ou seja, acima da inflação — todos os anos.
A exceção ficou com 2017 e 2018. Nestes dois anos, o reajuste do piso nacional considerou apenas o INPC, uma vez que o PIB de 2015 e 2016 registrou queda.
Mas a partir de 2019, primeiro ano de Jair Bolsonaro na Presidência, o cálculo passou a levar em conta somente a inflação, descartando as variações do PIB. Por conta disso, o salário mínimo não tem aumento real (acima da alta dos preços) há três anos.