Embora o balanço consolidado das eleições para conselho tutelar ainda não tenha sido finalizado, já é possível dizer que houve aumento na participação popular, mas ainda é preciso ir além para garantir mais aderência e combater a presença religiosa conservadora nesses espaços.
Dados parciais, divulgados pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), indicam que houve aumento de 25% no índice de comparecimento às urnas, em relação ao que foi registrado na última votação, em 2019.
No entanto, especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato afirmam que o crescimento ainda não é suficiente e que a comunicação sobre o pleito precisa ser ampliada para incentivar a população a participar. O acompanhamento e a valorização do trabalho pós-eleições também são vistos como essenciais.
O advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos da infância e juventude afirma que o cenário favorece movimentos conservadores na votação.
Ex-secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e ex-presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), ele aponta que a eleição deve ser tratada como prioridade pelo poder público para envolver toda a sociedade.
“Como se trata de um processo eleitoral de voto facultativo e não obrigatório, os grupos que já são pré-organizados, como as igrejas, partidos políticos, associações de moradores e mandatos parlamentares têm mais força. Esses setores são os que participam mais e não propriamente o eleitor comum, até porque foi um processo bastante mal divulgado.”
Segundo o MDHC, já é possível confirmar que pelo menos 1,6 milhão de pessoas foram às urnas nas capitais. O número deve aumentar com a consolidação das informações dos mais de 5 mil municípios brasileiros que tiveram eleições.
O conselheiro Carlos Alberto de Souza Júnior, do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente da cidade de São Paulo, afirma que o aumento na participação é importante, mas ainda é muito pouco.
“Eu sempre falo que eu gostaria que 10% da população participasse. Temos esse desafio ainda de divulgar. Perdemos ainda mais a participação da sociedade por dois elementos, precisamos melhorar os canais de comunicação para divulgar o processo de escolha, mas também precisamos criar um método de divulgação dos candidatos.”
A professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Míriam Krenzinger, afirma que o aumento da participação nas eleições sinaliza um engajamento mais profundo, mas destaca que ainda há desafios consistentes. Para ela é necessário padronizar nacionalmente todo o processo eleitoral, da inscrição ao voto, e investir em acompanhamento, pesquisa de perfis e formação dos conselheiros e conselheiras.
“Apesar deste avanço, persistem desafios consideráveis. A predominância de candidaturas eleitas alinhadas a pautas conservadoras, mesmo com um aumento na representação do campo democrático progressista, indica que ainda há um trajeto a ser trilhado para alcançar uma representação que esteja em plena convergência com os preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e nossa Constituição Federal.”
Míriam Krenzinger também cita a necessidade de valorização de profissionais com a criação de um piso salarial mínimo, para atrair profissionais com qualificação, perfil laico e técnico. Além disso, a professora ressalta que é urgente a construção de condições para ampliar a atuação dos conselhos.
Polarização
Um mapa dos resultados das eleições na cidade de São Paulo, de autoria de Paulo César de Oliveira e publicado pelo Instituto de Cooperação Pública e Social é um espelho da presença do campo conservador nos conselhos tutelares.
Entre 260 eleitos e eleitas, 58% têm alinhamento com o campo conservador e 35% defendem a pauta progressista e a aplicação efetiva do ECA. Ariel de Castro Alves enxerga a influência polarização política nacional nesse cenário.
“Vários setores, principalmente aqueles que perderam o processo eleitoral nacional no ano passado, estiveram mais organizados, inclusive por meio de igrejas neopentecostais para uma participação. É uma espécie de revanche diante da eleição do ano passado e também em prol das pautas conservadoras que eles defendem.”
Carlos Alberto de Souza Junior afirma que superar a pauta conservadora dentro dos conselhos tutelares é o grande desafio.
“O conservadorismo dentro de um órgão como o conselho tutelar prejudica totalmente o atendimento. Ele deixa de atender a partir dos aspectos legais, que defendem os direitos da integralidade, independentemente de quem é a criança ou o adolescente, de que composição familiar ela é. O conservadorismo exagerado protege direitos a partir de sua bolha.”
Para Míriam Krenzinger, as eleições amplificaram os alertas da rede nacional de defesa da infância e da juventude sobre a influência de grupos religiosos conservadores e partidos de extrema direita nos conselhos.
Ela observa, no entanto, sinais de resistência do campo progressista. A professora cita como exemplo a plataforma A Eleição do Ano, iniciativa que levou ao público informações sobre candidatos e candidatas com compromisso com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Mais de 2,5 candidaturas foram compiladas no site.
“No Rio de Janeiro, 26 dos 106 candidatos inscritos através da plataforma foram eleitos, sinalizando um movimento em direção a uma representação mais progressista (...) Essas iniciativas, juntamente com o aumento da participação popular, indicam o início de um esforço coletivo para contrabalançar a influência conservadora e reafirmar os princípios democráticos e progressistas nos conselhos tutelares. Mas há muito chão a percorrer”, conclui ela.
Até o fim desta semana, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania pretende divulgar um balanço geral e consolidado das eleições para os conselhos tutelares.
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