Cientistas descobriram níveis elevados de 11 agrotóxicos na água que abastece 127 cidades produtoras de grãos no oeste do Paraná, onde vivem 5,5 milhões de pessoas. Segundo o estudo, o problema está associado a pelo menos 542 casos de câncer diagnosticados em moradores da região em um período que vai de 2017 a 2019.
O trabalho de pesquisadores da Unioeste (Universidade do Oeste do Paraná) e da universidade americana Harvard foi recém-publicado na Environment International, periódico internacional de artigos científicos.
Ou seja, os cientistas estimaram quantos casos de câncer cada agrotóxico poderia causar a partir da população que foi atingida por cada um. Depois, compararam esse número à quantidade real de casos da doença no período analisado na região.
Assim, concluíram que em 542 pacientes era possível estabelecer que a exposição ao agrotóxico era "significativamente correlacionada com a soma dos casos de câncer estimados para todos os 11 agrotóxicos detectados em cada cidade". Mais de 80% dos casos tiveram ligação com duas substâncias, mancozeb-ETU e diuron.
"Dos 27 pesticidas investigados na água, 11 são possivelmente, potencialmente ou comprovadamente cancerígenos, como o lindano", diz a coordenadora do estudo, a bioquímica Carolina Panis —a colunista da Folha Marcia Castro também é uma das autoras.
Panis destaca o cruzamento de casos estimados com casos reais, diagnosticados no mesmo período pelo INCA. "Achamos uma correlação muito grande em todos os municípios, em especial para o câncer de mama, muito incidente no Paraná", diz ela.
O câncer é uma doença com muitas causas, mas a pesquisadora afirma há estudos que mostram como os efeitos da exposição a agrotóxicos podem contribuir para o desenvolvimento de um tumor.
As reações no organismo humano dependem de uma série de fatores, como dos níveis ingeridos, do tempo de exposição e da suscetibilidade de cada pessoa, diz ela.
O estudo aponta que os níveis de contaminação da água dos municípios analisados estão acima dos limites da União Europeia, que permite o total de 0,5 ppb (partes por bilhão) —no Paraná, a soma ficou em 189,84 ppb. A legislação brasileira não estabelece um limite geral, apenas por substância, e os agrotóxicos analisados estão dentro do permitido.
O trabalho usou dados do Sisagua (Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade de Água para Consumo Humano), do governo federal. Análises em amostras de águas da região também confirmam a presença de agrotóxicos.
OUTRO LADO
Procurada, a Sanepar (estatal responsável pelo saneamento básico no Paraná) disse que na época do estudo os dados do Sisagua estavam incompletos, com poucas opções para o registro, feito diretamente pelas prefeituras.
"Ficou registrada a presença de agrotóxico na água, mesmo que não tenha sido detectada, distorcendo a informação. A partir de 2019 os dados passaram a ser enviados pelo sistema de gestão da Sanepar diretamente ao Sisagua, de forma a evitar erros de digitação por parte das secretarias", pontua a nota.
Segundo a Sanepar, no período a que se refere o artigo, foram investigados 27 tipos de agrotóxicos e os resultados ficaram abaixo dos limites permitidos. "Ou seja, não foi detectada a presença de agrotóxicos na água distribuída para a população."
Panis diz que os dados do Sisagua foram publicados em 2019, dois anos após o período estudado. "Imagina a irresponsabilidade do governo federal de publicar uma base de dados incompleta. Por que o relatório não foi corrigido então? Nunca houve uma errata?", afirma a pesquisadora.
Em nota, o Ministério da Agricultura diz que criou o Programa Nacional de Habilitação de Aplicadores de Agrotóxicos para cadastrar e capacitar produtores rurais, que devem chegar a dois milhões até 2026.
Disse ainda que a responsabilidade de analisar o uso das substâncias é da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
Procurada, a agência respondeu que "o tema específico tratado no estudo, contaminação ambiental, é de competência do Ibama".
O instituto e a Aprosoja (Associação Brasileira dos Produtores de Soja) não responderam aos questionamentos da Folha até a publicação desta reportagem.
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