Os fortes aumentos nos combustíveis elevaram a pressão em torno do tema no Brasil. De janeiro de 2019 a maio de 2022, o preço da gasolina aumentou 71%, enquanto o do diesel quase dobrou, saindo de R$ 3,54 para R$ 6,97. Para piorar a situação estamos experimentando, desde fevereiro, preços internacionais de petróleo batendo a casa dos U$ 100 o barril, níveis não vistos desde meados de 2014.
Desde que iniciou seu governo, o presidente Jair Bolsonaro (PL) vem adotando um conjunto de medidas que ainda não foram capazes de resolver a questão. Neste ano de 2022, quando a pandemia recuou, mas a situação teve novo revés com a guerra Rússia x Urcrânia, além de ser no eleitoral, foi apresentada mais uma proposta que, segundo especialistas, não deve equacionar de forma estrutural e duradoura a crise dos preços de combustíveis.
E, neste contexto, o aumento dos preços dos combustíveis começa a parecer um problema sem solução aos olhos dos consumidores. Mas, afinal, qual é o verdadeiro problema dos combustíveis no Brasil? Por que o segundo maior produtor de petróleo da América Latina é o país onde o combustível tem o valor mais elevado na bomba?
Diante dos inúmeros questionamentos, a reportagem do jornal O Paraná conversou com o professor Ricardo Hartmann, Doutor em Engenharia e Coordenador do Grupo de Pesquisa em Mobilidade e Matriz Energética da Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana) para entender qual realmente é o problema ao entorno do tema.
Crise do Petróleo e PPI
Ainda não pode se dizer que o Brasil vive uma crise do petróleo, afinal, são as terras tupiniquins a segunda maior produtora de petróleo na América Latina. Apesar de perder apenas para a Venezuela no quesito produção, entre os países da América Latina, no Brasil o preço dos combustíveis é o mais caro, mais ainda do que países que são fortemente dependentes de importação, como Chile, Paraguai e Uruguai. Mas, afinal, qual a justificativa?
Segundo o professor Hartmann, questões geopolíticas e outros fatores são preponderantes na crise do petróleo. Contudo, segundo ele, a verdadeira vilã do assunto é a política de preços adotada pela Petrobras em 2016. Hartmann explica que, por causa da política de preços da Petrobras, conhecida como PPI (Preço de Paridade de Importação), adotada pelo Conselho Nacional de Política Energética, órgão da Presidência da República, em outubro de 2016, a formação dos preços dos derivados mudou e, a partir de então, os produtos passaram a acompanham os movimentos do barril de petróleo no mercado internacional.
“Os principais fatores pelo aumento dos combustíveis atualmente são a alta importação de combustíveis, a paridade do preço do combustível nacional com o combustível importado e o aumento da taxa de câmbio real e dólar. É possível observar, que mesmo antes do início da guerra da Ucrânia, em fevereiro de 2022, os preços dos combustíveis já estavam em forte alta no Brasil. A curva de acelerado crescimento do preço da gasolina após a adoção da política PPI mostra claramente que a principal razão no forte aumento dos combustíveis atualmente no Brasil é a política PPI.”
Em outros países da América Latina a política de preços é diferente. Na Colômbia, um país com a produção intermediária de petróleo e gás natural, por exemplo, a medição dos preços e dos derivados é balizada pelo mercado interno. Já no Chile, que é um dos países altamente dependentes de importação de petróleo, aproximadamente 70%, o governo instituiu há algumas décadas, mecanismos de mediação e amortecimento das variações do preço do petróleo no mercado internacional.
E o ICMS?
Atualmente, o Governo Federal defende que o verdadeiro vilão do preço alto dos combustíveis é o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). O que é ICMS tem a ver com o combustível?
O ICMS é um tributo estadual que incide sobre o combustível. Cada Estado da Federação tem um índice de fixação do ICMS sobre o combustível. No Paraná, por exemplo, a alíquota é de 27%. Esse valor é aplicado sobre o preço do combustível que sai da Petrobras. Segundo a empresa, a gasolina no Paraná custa em média R$ 7,26, o litro, desse valor, R$ 1,63 corresponde ao valor do ICMS. Agora, está tramitando no Senado Federal um Projeto de Lei Complementar (PLP) 18/2022 que estipula um teto de 17% no ICMS. O objetivo é que, com o índice menor, o valor dos combustíveis também baixe.
No início dessa semana, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a intenção de compensar, até o fim do ano, a renúncia de ICMS dos estados que zerarem o tributo a partir dos 17% fixados pelo PLP 18/22. Comprometeu-se a zerar PIS, Cofins e Cide que incidem sobre gasolina e etanol.
A proposta não agradou os governadores, já que o imposto é importante para a arrecadação dos Estados. No Paraná, por exemplo, a medida causaria prejuízos ao orçamento do Estado com impacto direto nas contas públicas. A estimativa da Secretaria de Estado da Fazenda é de uma perda de receita de R$ 6,33 bilhões, sendo R$ 2,04 bilhões em combustível, R$ 2,07 bilhões em energia elétrica.
O professor Ricardo Hartmann explica que a medida de zerar o ICMS poderia ter um efeito a curto prazo, contudo, acredita que não seria a melhor opção para diminuir os valores dos combustíveis. “Zerar a alíquota do ICMS pode ter um efeito a curto prazo. Mas ainda assim, se a política PPI do governo Federal for mantida, a fragilidade do consumidor brasileiro frente às oscilações internas permanecerá. Se for mantida a atual política, basta qualquer aumento no mercado internacional do petróleo ou aumento na taxa de câmbio, causado por turbulências internacionais como uma guerra, por exemplo, para que os combustíveis tenham que ser reajustados novamente.”
Gasolina a R$ 4,00
Segundo o especialista, uma solução efetiva para baixar os preços dos combustíveis seria alterar a política de preços da Petrobras. Segundo o professor Hartmann, caso a PPI fosse alterada, o valor da gasolina poderia estar na faixa dos R$ 4,00.
“A questão é puramente matemática. O dinheiro pago nos combustíveis sai do bolso dos consumidores brasileiros e vai diretamente para o bolso dos detentores privados de ações da Petrobras. Deve-se notar que o custo de exploração no pré-sal brasileiro é entre 15 e 20 dólares. Adicione-se a isso custos de transporte, distribuição, revenda e mais impostos, a gasolina brasileira poderia estar custando algo como R$ 4,00 a R$ 4,20.”
Novas Políticas
Segundo o professor, atualmente existem muitas pesquisas direcionadas a observar a inserção de novas tecnologias na matriz energética, buscando uma nova fonte de energia para a mobilidade, deslocada do petróleo. “Nosso grupo de pesquisa tem se ocupado também de observar a inserção de novas tecnologias na matriz energética brasileira, como geração distribuída de energia solar fotovoltáica. Além disso, a inserção de carros elétricos fará com que a fonte de energia da nova mobilidade urbana e rodoviária se desloque do petróleo para fontes renováveis e fontes distribuídas de energia.”
Ricardo ainda salienta que essas questões precisam ser debatidas no bojo da sociedade, por conta da importância desses temas. “É preciso discutir de forma clara e objetiva estas questões, com calma e com a participação de toda a sociedade.”