Os recentes compromissos assumidos pelo presidente Lula em sua última viagem à Europa, onde debateu a pauta da preservação ambiental, abriram espaço para a exposição pública do projeto Sol Para Todos, uma iniciativa apresentada pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) no período de transição do governo passado para o atual.
A medida faz parte de um pacote de incentivos à energia renovável que objetiva reduzir as emissões de gases de efeito estufa e aumentar a segurança energética. As primeiras ações voltadas ao tema no novo governo remontam ao mês de abril, quando foram zerados os impostos sobre equipamentos utilizados no setor, porém o novo programa pode levar o acesso à chamada “energia solar” a um novo patamar, especialmente por ser voltado ao público de comunidades periféricas e camponesas.
É aguardada para o mês de agosto a apresentação detalhada do Plano de Transição Ecológica, desenhado pelo Ministério da Fazenda, envolvendo um conjunto de medidas que pode chegar a mais de cem ações. A iniciativa deve partir de seis grandes eixos, incluindo áreas de finanças sustentáveis, adensamento tecnológico do setor produtivo, bioeconomia, transição energética, economia circular e nova infraestrutura de serviços públicos para adaptação ao clima.
Lula e Haddad destacam o projeto
Em meio a esse projeto multissetorial, o programa Sol Para Todos tem recebido destaque nas manifestações do presidente Lula e do ministro da Economia, Fernando Haddad. De modo geral a proposta parte da ideia de substituição de parte da tarifa social de energia pela implantação de painéis solares em áreas vulneráveis.
“A proposta surgiu no seio dos movimentos populares quando estava em discussão o programa de governo do presidente Lula, abordando a ideia de soberania energética popular”, explica Frei Sérgio Görgen, frade franciscano e integrante da direção nacional do MPA.
“Nossa ideia é a implantação de usinas solares de pequeno porte, geridas de forma comunitária, podendo envolver até mais de uma comunidade, em locais próximos a linhas de transmissão”, explica. O objetivo dessas usinas é abastecer o território a que estiver atrelada. “Vai diminuir muito o custo de energia daquela comunidade, pode mesmo zerar, ou até servir para gerar recursos se a energia produzida for excedente às necessidades de consumo dos beneficiários diretos”, acrescentou.
O engenheiro elétrico João Ramis, que foi coordenador do programa Luz Para Todos – ação que nos governos passados de Lula e Dilma levou energia elétrica a 15 milhões de pessoas localizadas em territórios que não eram atendidos pelo sistema elétrico nacional – é um dos entusiastas da proposta e tem contribuído nas formulações a convite do MPA.
“Significa que o benefício da geração de energia elétrica fotovoltaica que hoje alcança boa parte das famílias que têm capacidade de fazer um alto investimento, também esteja disponível para todos os consumidores brasileiros”. Ramis cita como exemplo as comunidades camponesas e assentamentos da Reforma Agrária, bem como comunidades urbanas localizadas em espaços periféricos.
Inclusão social e desenvolvimento
“Isso é muito importante porque essa geração de energia é uma proteção frente o aumento tarifário, mitiga as possibilidades desses aumentos, é uma iniciativa justa que vai além do acesso a poucos que existe atualmente”, aponta Ramis. “Fazer usinas fotovoltaicas para comunidades inteiras, para beneficiar todos os consumidores que moram nas comunidades, essa é a ideia inicial que propusemos e que vamos permanecer mobilizados para construir e aperfeiçoar”, acrescenta o engenheiro.
Conforme indicam Ramis e Görgen, no que se refere ao conjunto da população camponesa, o programa pode beneficiar assentados, pequenos agricultores, quilombolas, agricultores familiares, comunidades indígenas, ribeirinhos e povos da floresta. Para isso podem ser utilizadas áreas degradadas que não estão sendo utilizadas na produção de alimentos para implantação das usinas fotovoltaicas comunitárias, diminuindo o custo da energia para todas as famílias camponesas.
“O programa para ser sustentável e perene tem que envolver as pessoas, os movimentos sociais, as organizações comunitárias e – claro – as concessionárias que atualmente operam o sistema de geração e distribuição de energia elétrica nas localidades”, esclarece Ramis.
O escopo do programa proposto pelo MPA versa ainda sobre a qualificação de mão de obra local para implantação e posterior manutenção das usinas fotovoltaicas comunitárias, incentivo ao desenvolvimento de tecnologia nacional para produção de placas e inversores utilizados na estrutura de modo a qualificar a oferta e baratear o acesso.
Governo está atento para oportunidades da economia verde
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comentou ao podcast O Assunto, vinculado ao grupo Globo, que “nos bastidores aqui tinha uma estrutura que estava trabalhando em silêncio para mapear todas as oportunidades que o Brasil tem como vantagens competitivas em relação ao mundo”. Entre os pontos citados pelo ministro voltados à modernização da infraestrutura produtiva e a geração de energia limpa está o programa Sol Para Todos.
Chamado de “Plano Verde”, a iniciativa apresentada por Lula em Bruxelas, na Bélgica, prevê além do programa de popularização do acesso à energia elétrica fotovoltaica, itens como Integração da América do Sul em projetos de bioeconomia na Amazônia; estabelecimento de prazo para o fim dos lixões, produção de Energia eólica em alto-mar, criação do Plano Nacional de Fertilizantes, Fusão do Plano Safra e o Plano de Baixo Carbono, Eletrificação do Transporte nas cidades e Programa de pesquisa e mineração. Haddad sinaliza para que no mês de agosto Lula apresente todos os detalhes das propostas.
Frei Sérgio já teve a oportunidade de apresentar o projeto Sol Para Todos ao presidente Lula e ao vice-presidente Geraldo Alckmin, em momentos onde ambos mostraram-se interessados e demandaram o imediato estudo técnico. A inserção da iniciativa dentro da gama de ações previstas neste Plano Verde comprova que já foi possível comprovar sua viabilidade técnica e financeira. “É um programa que vai transformar o Brasil e tem a marca do MPA em sua gênese”, comemora o frade.
De poucos para todos
Atualmente existem diversas iniciativas para o consumidor individual e para empreendimentos comerciais e industriais. Concessionárias e cooperativas de eletrificação também têm investido em usinas fotovoltaicas de maior envergadura, voltadas a agregar volume de produção aos seus sistemas integrados. Recentemente entraram no mercado também empreendimentos empresariais que propõem aos consumidores finais o “aluguel” de parte da produção de usinas fotovoltaicas instaladas em áreas privadas com menor custo do kilowatt consumido do que é praticado pelo sistema oficial.
O programa Sol Para Todos entra neste cenário como um instrumento de democratização do acesso aos consumidores socialmente vulneráveis, que dificilmente teriam condições de pagar altos valores para a construção de uma infraestrutura própria ou mesmo ter meios de se inserir em programas coletivos privados. “Essas pessoas, estejam elas nos campos, nas periferias, nos territórios indígenas, nas comunidades ribeirinhas, nos assentamentos ou nas favelas, elas têm direito a também acessar essa tecnologia que oferece qualidade de vida e inclusão social”, explica Frei Sérgio.
Alavanca para desenvolvimento social
Os benefícios de isenção tributária anunciados em abril pelo governo federal já devem beneficiar cerca de 10 milhões de famílias que poderão ter acesso à energia solar nos próximos cinco anos. A iniciativa também já está estimulando a produção nacional de painéis solares, criando empregos e renda para os trabalhadores brasileiros, além de atrair investidores. O programa Sol Para Todos quando implementado tem potencial para aumentar exponencialmente esses números e tornar-se um mecanismo estratégico de desenvolvimento social em todo o território brasileiro.
Görgen defende a ideia a partir da lógica de uma soberania energética popular. Ao falar especificamente das comunidades camponesas, explica que ao proporcionar energia elétrica com qualidade e custo menor, o governo pode inclusive proporcionar o barateamento do preço dos alimentos sem prejudicar a viabilidade do pequeno agricultor e da pequena agricultora. “A energia cara muitas vezes impede o pequeno agricultor de implementar alternativas tecnológicas que poderiam proporcionar maior produtividade e melhor qualidade de vida”, aponta.
“Existe tecnologia, tem possibilidade de fazer, o governo está demonstrando ter vontade de fazer, vai ter que fazer uma pequena mudança de lei, mas dada a construção de governabilidade que o presidente Lula implementou nós acreditamos que isso não será problema”, conclui Görgen.
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